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Sabemos que “Coração de Lutador” parte de um território já muito conhecido (o drama esportivo), mas ele encontra sua força na maneira como acompanha Mark Kerr, uma antiga lenda do UFC, não apenas como atleta, mas como homem em desgaste através da visão de Benny Safdie, agora separado de seu Irmão Josh com quem trabalhava anteriormente. A narrativa não corre atrás de um arco de superação e redenção tão simples; ela insiste em mostrar o peso do corpo, a fragilidade das relações e a instabilidade emocional que o cercam. É menos sobre vitórias e mais sobre o que se perde em cada tentativa de alcançá-las.

Muito desse peso repousa nos ombros de Dwayne Johnson, que encontra aqui o papel mais exigente de sua carreira. Longe do herói charmoso e indestrutível que o público acostumou a ver em blockbusters, ele interpreta Kerr com uma vulnerabilidade (e um coração, olha só o trocadilho com o título do filme) que surpreende. Há um esforço evidente de Johnson em buscar reconhecimento para além da persona de ação: sua atuação é marcada principalmente pelos silêncios e olhares que mostram o cansaço de alguém esmagado pelas próprias escolhas. É uma entrega corajosa, porque expõe o ator ao risco de quebrar a imagem que construiu ao longo dos anos em sua trajetória que iniciou lá na WWE, a imagem do conhecido “The Rock”.

Essa busca por reconhecimento transparece também na forma como ele se coloca fisicamente no papel. Johnson está no controle de seu corpo, mas aqui seu físico todo musculoso não é exibido como triunfo, e sim como fardo. Ele encarna a contradição de Kerr: um homem cuja força é celebrada, mas que, fora do ringue, parece frágil diante de qualquer instabilidade emocional. Esse deslocamento torna sua interpretação não apenas convincente, mas necessária para o filme funcionar. Sem essa entrega, a história correria o risco de soar como apenas mais uma narrativa de ascensão e queda no esporte, e não deixa de ser, mas sua atuação eleva o filme.

A história segue Kerr durante um recorte de três anos, entre treinos, lutas e momentos mais íntimos, o filme privilegia o espectador ao permitir que ele conheça mesmo o lutador para além do ringue. O filme não romantiza o esforço físico de seu protagonista: ele mostra as marcas, os hematomas, o cansaço que se acumula dia após dia. Essa atenção ao detalhe cotidiano o torna mais humano, menos lenda. E é nesse ponto que Safdie encontra um tom quase melancólico, de quem observa não só um lutador, mas alguém tentando manter o controle de si mesmo diante de forças que o ultrapassam.

Benny Safdie, ao dirigir as lutas, se distancia delas, quase que de forma indiferente, como se quisesse mostrar que aquele espetáculo, que parece tão absoluto para quem luta, é só mais uma cena diante do público. Isso ajuda a transformar o ringue em algo cheio de dualidade: lugar de uma espécie de intimidade brutal e, ao mesmo tempo, palco de insignificância. Não são as cenas visualmente mais chamativas, por vezes até sem graça, mas funcionam dentro da proposta do Safdie.

Essa visão das lutas ajuda o espectador a compreender o paradoxo de Kerr. Para ele, cada luta é importantíssima, elas representam muito mais do que vencer ou perder para ele. Enquanto para o mundo (e para nós), é apenas mais um confronto, que logo será substituído pelo próximo. O filme acerta ao capturar esse desencontro de escalas — entre o que o indivíduo sente e o que a coletividade enxerga.

Fora do octógono, a vida pessoal de Kerr é explorada de forma bem honesta, mesmo que tenha um protagonista que soe bonzinho até demais. Mas há uma sinceridade visível no retrato de suas crises de dependência, das dificuldades em manter laços afetivos, principalmente com seu relacionamento com Dawn (Emily Blunt) e da constante oscilação entre disciplina e autodestruição. Ainda assim, em vários momentos o filme se acomoda em situações já familiares ao gênero, como a inevitável cena de colapso ou as discussões previsíveis com pessoas próximas. Esses momentos não chegam a comprometer o filme, mas reduzem seu impacto final, como se Safdie preferisse seguir uma cartilha de dramas esportivos em vez de mergulhar mais fundo na singularidade da trajetória de Kerr, algo que ele consegue fazer em alguns momentos. Há autenticidade, mas falta ousadia no modo como esses conflitos são desenvolvidos, e a sensação é de que o filme poderia ter ido além ao explorar a solidão e a fragilidade emocional que rondam o protagonista.

A personagem de Emily Blunt exemplifica bem esse desequilíbrio. Ela poderia ser um contraponto muito interessante ao protagonista, mas acaba reduzida a uma função quase didática: a de lembrar ao público e a Kerr os riscos da vida que ele leva. Não há espaço para que ela se desenvolva para além dessa posição. Sua presença acaba ficando cansativa, como uma engrenagem que o roteiro utiliza para frear o protagonista em momentos-chave. Isso não diminui o trabalho da atriz, que entrega uma boa atuação na medida do possível. Mas a construção da personagem mostra a fragilidade de partes do texto, como se precisasse de uma figura externa para sublinhar os perigos já evidentes na trajetória de Kerr. O resultado é uma personagem que se parece mais como função do que como pessoa, praticamente um peso morto para o filme.

O que realmente me impressiona em The Smashing Machine não é a familiaridade de sua estrutura narrativa, e sim a maneira como Dwayne Johnson se arrisca em um papel que exige uma maturidade raramente vista em sua carreira (talvez só em “Sem Dor, Sem Ganho”). Mas sua entrega ganha corpo porque Benny Safdie conduz a história com segurança, transformando uma cinebiografia que poderia soar apenas correta em algo que respira autenticidade em muitos momentos, o que inclusive, deve afastar um público mais casual. O filme tem potência sobretudo quando Safdie usa a câmera para pensar o lugar do corpo e da violência, ainda que se enfraqueça em algumas escolhas narrativas fora do ringue. E, embora não figure entre os grandes desta temporada, há nele lampejos de beleza e uma sensibilidade que justificam plenamente a experiência. E espero também que marque o início de uma nova fase na carreira de Dwayne Johnson, pois ele afastado da persona The Rock, demonstra capacidade de ter um grande futuro.

 

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