
É muito gratificante para mim falar sobre uma produção da minha cidade feita com tanto carinho e que entrega um resultado para além do esperado. Conheci a diretora de Nó, Laís Melo, através de Torniquete (que também possui crítica na página), onde ela assinava, em parceria, a direção de arte. As duas obras dialogam em certas temáticas, mas em Nó tudo parece encontrar um maior ponto de maturidade – é um filme mais coeso, com um ótimo trabalho de montagem, trilha, personagens profundamente reais e uma história que, mesmo partindo do banal, ganha uma força tremenda pela condução da direção e pelas atuações.
Falar de banalidade pode até parecer um demérito, mas está longe disso. O filme, que levou 3 Kikitos para casa no Festival de Gramado 2025 (incluindo melhor direção), fala sobre Glória, uma mãe de três filhas que está em processo de divórcio, ao mesmo tempo que tenta uma promoção em seu trabalho. É um cinema que me remete (dadas as devidas proporções) muito a Carlos Reichenbach. Não apenas pelo núcleo do trabalho e o cenário industrial, mas pela forma como Laís Melo confere humanidade e peso dramático às vidas que a indústria geralmente torna invisíveis. Assim como em Garotas do ABC, Reichenbach olhava para as operárias com uma honestidade tão cruel quanto afetuosa; aqui, Laís também consegue trazer muitos desses sentimentos (me lembrou também o bom Cidade;Campo da Juliana Rojas, e cinema é isso muitas vezes, referências).

Glória é vivida por Saravy, que também assina o roteiro junto de Laís. A entrega dela acaba deixando um nó na garganta (olha o trocadilho), do tipo que a gente sente junto: ela constrói a Glória com muita exaustão e com uma força silenciosa de quem precisa seguir, mas sem nunca parecer ter dó de sua personagem. E quem também rouba o filme para mim, em todas as suas cenas, é a jovem Sali Cimi (a qual já rasguei elogios recentemente), uma atriz que transborda talento em todas as suas cenas, especialmente quando está contracenando com Saravy.
Mas o ponto que mais me toca em Nó é a forma como a direção de Laís Melo e a fotografia de Renata Corrêa (também premiada em Gramado) lidam com a maternidade e a classe trabalhadora. O filme não romantiza a exaustão, ele nos joga no turbilhão da vida de Glória, mostrando que o seu maior nó não é o divórcio ou a briga pela promoção, mas sim a luta diária para transformar seu corpo já tão cansado em um lar seguro para as filhas. Ela as ama acima de tudo e faria qualquer coisa por elas, passando longe de ser aquela “mãe idealizada” tão recorrente no cinema. É um cinema urgente pois se trata não só de um tema super importante, como muito atual – é um cinema que encontra beleza na dureza do dia a dia, e é exatamente aí que reside a sua força.
E, falando em força, a união das mulheres em tela é algo muito bonito de se ver. A sororidade que surge na fábrica, no corre-corre do dia a dia, é o contraponto que se faz necessário para a pressão que Glória e suas amigas (com principal destaque para Magali, interpretada pela Fernanda Silva) enfrentam. A direção de Laís é madura e assertiva ao desenhar esse universo feminino de forma tão bonita e com tanta honestidade – não são personagens perfeitas, são personagens humanas.
Acredito que há um caminho muito bonito a ser percorrido por Nó, que chegou aos cinemas neste último dia 16/10. O filme se recusa a se acomodar apenas em sua relevância temática – afinal, isso não basta para construir um bom cinema. A nível pessoal, é muito gratificante ver uma produção da minha cidade alcançar o reconhecimento que teve e certamente continuará tendo – e, como uma estreia na direção de longas-metragens, Laís Melo entrega um trabalho surpreendentemente maduro. Fico muito curioso para acompanhar os próximos passos dessa diretora. Nó é um filme que cumpre sua proposta com muitos méritos e vale cada centavo de seu ingresso.

Formado em gestão de turismo & cinema, Jojo (João) é um dos criadores da Toca Cinéfila, e seu filme favorito é “Labirinto do Fauno”.