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Sinopse: A trama segue Arj, um homem azarado que trabalha em uma infinidade de empregos. Ele é chamado por seu Jeff, que mora em Hollywood Hills, para fazer vários trabalhos para ele – instalar um piso de discoteca e consertar o aquecedor da piscina. Seu anjo da guarda, no entanto, faz com que os dois homens troquem de vidas.

Quando o Céu se Engana parte de uma premissa divertida – a troca de vidas entre um trabalhador exausto e um bilionário inconsequente causada por um anjo atrapalhado que quer fazer mais pelo mundo – para discutir temas bem mais sérios: a desigualdade social, a precarização do trabalho e a falsa ideia de meritocracia no capitalismo.

A trama coloca Arj (Aziz Ansari), um homem que se vira em mil bicos para sobreviver, no lugar de Jeff (Seth Rogen), um investidor de sucesso que vive cercado de luxo. Essa troca serve justamente para mostrar a diferença abismal entre quem vive à beira do colapso financeiro e quem tem tanto que já perdeu a noção da realidade. Ao acompanhar o cotidiano de Arj, o filme mostra o peso da instabilidade e da falta de direitos trabalhistas que afetam trabalhadores autônomos, trabalhadores de serviços terceirizados, precarizados. 

Arj é, em teoria, o coração do filme e da crítica social nele presente, ao mesmo tempo que Aziz Ansari acaba sendo o personagem menos “divertido” (curiosamente, também é o diretor do projeto), o que acaba deixando a experiência menos cativante. Seu personagem simboliza a chamada gig economy, uma rotina feita de entregas, reparos, turnos longos e nenhuma segurança ou estabilidade financeira. Quando tem a chance de viver a vida de Jeff, a ironia aparece: é fácil dizer que “dinheiro não traz felicidade” quando nunca se precisou escolher entre comer e pagar o aluguel. Para Arj então, riqueza não é luxo – é uma forma de descanso, dignidade, a chance de existir sem medo do amanhã.

Jeff, por outro lado, representa o outro extremo: o homem moldado por um sistema que o privilegia e o mantém distante das consequências humanas do próprio sucesso. Quando ele se vê na pele de Arj, enfrenta pela primeira vez a incerteza do próximo pagamento, o esforço físico e a impotência diante das regras do jogo que antes o beneficiavam. Sua jornada parece tentar humanizar a elite – uma tentativa um pouco ingênua, mas que funciona dentro da lógica do filme sobre jornada de amadurecimento e ver valor na vida.

No meio disso tudo está Gabriel (Keanu Reeves), o anjo responsável pela confusão. Ele é uma figura curiosa: trabalha com a função de evitar que as pessoas se envolvam em acidentes de trânsito, mas frustrado por não achar que faz algo relevante, acaba interferindo na vida de Arj. Mas ao tentar ensinar uma lição moral ao “protagonista” – provar que o dinheiro não é tudo – ele ignora o fato de que, para quem vive na miséria, a questão nunca foi filosófica ou ética. Sua punição por interferir em vidas humanas, ser transformado em humano, é o toque cômico que também reforça a crítica: até as boas intenções podem reproduzir o mesmo sistema desigual que fingem combater.

Entre os personagens secundários, Elena (Keke Palmer) se destaca como a voz política do filme. Colega de trabalho de Arj, interesse amoroso dele e ativista sindical, ela introduz a ideia de organização coletiva como resposta concreta à exploração. Sua presença tira o filme da lógica individualista da “mudança de vida” e aponta para um caminho mais realista – a luta por direitos e melhores condições de trabalho.

O filme tenta equilibrar essa crítica com o tom leve de uma comédia, mas o resultado é bem irregular. Quando o Céu se Engana não é um filme particularmente engraçado, embora Seth Rogen tenha bons momentos e Keanu Reeves segure o carisma. O que realmente fica é a tentativa (talvez até meio hipócrita, vindo de um projeto de Hollywood) de lembrar que há algo profundamente errado na forma como o trabalho e o valor humano são medidos.

No fim das contas, é um filme “ok”: divertido na superfície, mas com uma melancolia no fundo. Fala sobre desigualdade como quem ainda acredita que dá pra consertar as coisas, mas o que mais impressiona é a sensação de que nem o céu sabe direito como fazer isso.

P.S: Seth Rogen falando “Fuck A.I” é muito bom.

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